Artigo disseca o conteúdo do livro "Cabeças do Vento": "Recheio humanizado, imaginação, realidade e magia"

O noBalacobaco recebeu mais um artigo sobre o livro "Cabeças do Vento", que foi escrito pelo jornalista autor deste blog. Desta vez o autor do artigo - uma profunda análise sobre o conteúdo do livro - é o psicanalista  Anizio Henrique de Faria Jr, que mora em Londrina (PR), mas que também tem casa em São Miguel do Gostoso.
"MadeinGostoso, Miguel, São" - é o título do artigo escrito por Anízio. Trata-se de uma referência a um dos episódios do livro em que uma mãe tentou pôr o nome de "Madeinengland" em seu filho, durante o batismo na igreja de São Miguel do Gostoso.  A mãe tirou o nome de fogão que viu na casa dos pais do autor do livro.
Em tempo. "Made in England" é um termo em inglês que significa "feito na Inglaterra" - referência ao país em que o fogão foi fabricado. A mãe gostou da sonoridade do nome e resolveu colocá-lo no seu filho. Mas o padre não aceitou a escolha e exigiu da mãe que escolhesse outro nome para seu filho.
Referências e citações
O artigo escrito por Anízio está recheado por referências e citações, sempre entre aspas, do livro "Cabeças do Vento" (na foto, lançamento do livro, com presença da governadora Rosalba Ciarlini). Veja a seguir a íntegra do artigo:
"Boa escrita abre apetite.
Com três colheradas, o mingau-papa "Cabeças do Vento" entrou goela abaixo. Não foi gula: a narrativa fluida, "desnatada à manivela", fez o percurso.
Nada indigesto, o que poderia ser dramatizado, permaneceu como trágico. Não há manto de piedade: o humano nu e cru é a matéria prima.
Virtudes e pecados convivem: "O bem ou o mal é da parte de quem o faz". Repetido ensinamento da "bispa" dona Bebé remete a Marquês de Sade, que coloca o Bem e o Mal como conceitos mentais e não como matéria inerente ao viver - e sobreviver.
Receita simples na construção das estórias: teimosia, perseverança e determinação. Ingredientes cada vez mais raros remetem à história de São Miguel do Gosstoso, dando-lhe o recheio humanizado.
O profano Miguel das gargalhadas , Gostosas, une-se ao padroeiro São Miguel Arcanjo, e a  Nilo e Isabel. Daí, quinze filhos, oito com "mijo" de licor, sete com destilados. Oito côtos de umbigo estão enterrados nas portas de escolas, sete na beira do curral.
Criados no leite com "mastruz", Biotônico Fontoura, Emulsão Scott e bolinhas doces de "Específico" (roubadas); só tinham direito a guaraná com bolacha na doença.
Amargaram comidas repetidas a semana toda. Nas viagens, eram salvos pelos sequilhos, "beleza", "raivas" e fatias finas de queijo do reino.
Sobreviveram à Viúva Machado - comedora de fígado de crianças - e o carro da Dona Lica acabou se transformando no Farol de Touros.
Do menino pelado no circo ao leite com carrapato; da queima os óculos da mãe na lamparina à dança com travesti - os quinze filhos arengaram e "mangaram" uns dos outros.
Aviões-cegonha de bezerros, coqueiros iluminados de fazendas, menina que primeiro nasceu menino: imaginação e realidade se conjugam sem pudor.
A braveza, a explosividade, a cara amarrada, os gritos e as cipoadas teceram a colcha que cobre a Vila Isabel.
Do outro lado, o terço-mantra, as velas acesas para o filho doente, o médico-dentista em prontidão (ficava-se sem os dentes, mas a dor desaparecia).
Água Inglesa, éter, rádio "rabo quente", noivados desfeitos, escrita forte que deixou vestígios, traja preta em coqueiros, fogão "Made in England", Nescau, Tetrex, sabonete Gessy - sinais que nos remetem a um tempo e a um espaço, ora definidos, ora mágicos e atemporais.
Nas quase mil páginas do "Médico da Família" não havia diagnóstico de "cansaço" - sinal dos que cumprem a missão. Mas não houve tempo para a dose de Água de Flor de Laranja.
No entanto, se nó frouxo desmantela; nó arroxado, "tora".
É só na medida que se eterniza".